segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O mar está para peixe....mas não para qualquer um

As histórias de pescador costumam não despertar muito crédito. Mas essa promete ser uma história diferente. Isso porque servirá apenas de analogia para repensar a postura frente à realidade que vem tomando alguns profissionais que precisam enfrentar, por um motivo ou por outro, um novo desafio profissional.
As mudanças ocorridas no mercado de trabalho e no mundo dos negócios têm provocado reações de defesa naqueles que se sentem incapazes de enfrentar essa nova realidade. O acompanhamento e a orientação de pessoas que precisam construir ou retomar seu espaço profissional têm me mostrado que essas reações de defesa que normalmente deturpam a noção de realidade, devem ser talvez o primeiro passo a ser trabalhado.
Mas o que história de pescador tem a ver com isso? Observando condutas diferentes em relação a atividade de pesca, numa pequena praia, pude compreender o que tem ocorrido com pessoas que têm procurado voltar ao mercado de trabalho e têm encontrado algumas barreiras pessoais ou mercadológicas.
Três pessoas servem de referência para iniciar essa análise: a primeira, iniciando-se na pescaria como uma atividade de lazer, a Segunda, um pescador mesmo, homem rude e simples, daqueles que tiram do mar seu sustento e seu alimento e a terceira, um pescador amador mas, inveterado, que tem, segundo ele, “pescaria correndo nas veias”.
O primeiro, iniciando-se no negócio “pescar”, providenciou os recursos necessários – varas, anzóis, molinetes, isca artificial etc e diariamente ficava esperando a situação ideal para se arriscar na nova atividade. Um dia o vento estava muito forte, no outro a maré estava muito cheia, num terceiro dia a água estava turva e assim, as condições nunca estavam adequadas e satisfatórias. Resultado: expunha-se pouco e com isso não conseguiu pescar .
O segundo também saía diariamente para pescar. Mas como conhece bem o mar, se arrisca pouco. Cumpre sua rotina, saindo na hora em que acha favorável e vai para aquele lugar onde está acostumado a pegar seus peixinhos. Sua pesca e seu resultado tornam-se assim mais ou menos previsíveis – uns dias mais peixes e outros, quase nada. E sua vida é assim, determinada por aquilo que o mar lhe proporciona
O terceiro pescador, movido pela paixão, saía diariamente antes do dia amanhecer e só ia descobrir como estavam as condições de pesca quando estava pescando. Não era um vento mais forte ou não ter a isca ideal que iriam lhe tirar o prazer da pesca. Arriscando, vivia a sensação boa de ver condições aparentemente adversas virarem condições favoráveis e, como conseqüência pescou muitos peixes menores, e um ou dois que dariam orgulho a qualquer pescador. .
Na concorrência do mercado de trabalho tenho me deparado com estes três tipos de “profissionais-pescadores”: o pescador idealista, o pescador acomodado e o pescador automotivado. As características do primeiro pescador tanto podem aparecer naquele profissional que está iniciando sua carreira, quanto naquele profissional, mais experiente, e que precisa dar uma nova direção à sua vida. O que marca profundamente essa conduta é a tendência à idealização da realidade. Porém, emprego ou trabalho perfeitos não existem. Mas apesar disso, o ser humano tem uma tendência natural à idealização, isto é, de construir uma concepção de vida baseada na perfeição. Agimos assim em relação aos parceiros (quem já não acalentou o sonho de encontrar a alma gêmea?), aos filhos, às chefias, aos subordinados e consequentemente, em relação à vida profissional. O problema, portanto, não é idealizar e sim, o quanto esta tendência é prevalente ou ativa na vida do indivíduo. Isto porque quanto mais nos sentimos inseguros mais tendemos à idealização. E aí, sim, está o dificultador, pois a idealização funciona como um escudo ou uma defesa: paralisa a ação, embota o pensamento e martiriza a auto estima . O indivíduo passa a achar que o mundo tem uma dívida com ele, e que mais cedo ou mais tarde a realidade imaginada acontecerá. E assim, fica esperando o emprego, o cargo, o trabalho, o negócio e o salário ideais. Esquiva-se de possibilidades, não cria oportunidades e não constrói a sua realidade profissional. Age como o pescador-idealista. Como as condições ideais estão todas fora de si, no ambiente externo, e, portanto fora do seu controle, cabe-lhe aguardar ou no máximo, se preparar para essa situação ideal que um dia chegará.
A tendência à idealização esconde o medo da opção. A vida é assim . Sempre temos que abrir mão de alguma coisa em função de outras. Sempre queremos tudo, mas não podemos ter tudo. É como Cecília Meireles descreve no poema Ou isto ou aquilo, quando diz: ou se tem chuva e não se tem sol ,/ou se tem sol e não se tem chuva!
Na vida profissional, o sonho de viver, ao mesmo tempo segurança e liberdade, estabilidade e autonomia, salário garantido e fazer aquilo que se quer, crescimento profissional sem investimento pessoal, vai ficando cada vez mais difícil.
Fazer escolhas é sempre doloroso, pois nos coloca em confronto com nossos desejos, valores e sentimentos. E na hora da opção, temos que parar e pensar que parte de nós mesmos será atendida e/ou priorizada. Essa idealização da realidade, por outro lado, também esconde o medo da competição e do fracasso, já que, como foi descrita na situação do pescador, neste caso, a pessoa pouco se arrisca. E numa época de alta competição no mercado de trabalho como a atual , vale lembrar aquele velho dito popular “Quem não arrisca não petisca”.
A atitude de idealizar, imaginar e esperar uma realidade fantástica vivida pelo primeiro pescador, se contrapõe por outro lado, à pobreza da percepção que o automatismo do trabalho de rotina do terceiro pescador apresentado, impõe aos estímulos ambientais e às possibilidade pessoais. O pescador-acomodado diferentemente do primeiro, lida com a realidade como se essa estivesse sob seu controle. Suas experiências passadas, seu conhecimento das rotinas e seu controle emocional eliminam de sua realidade qualquer traço do imaginário, do sonho e do desejo. O caráter rotineiro transforma o seu trabalho em algo pragmático e imbuído de um único sentido, o da sobrevivência. A atividade que ele aprendeu, muitas vezes com seu pai, ele repete e...repete. A rede é a mesma, o barco é o mesmo, o local da pesca é o mesmo, a forma de pescar é a mesma. Não há inovação, e a satisfação ou insatisfação não expressa uma escolha, apenas uma predestinação.
Essa atitude, num mercado de trabalho estável e de baixa concorrência , pode proporcionar algum ganho, é claro, quando o mar estiver favorável . Pois assim, como o primeiro pescador, o sucesso ou fracasso estará relacionado aos aspectos positivos ou negativos do ambiente externo. Porém, num mercado com alta competitividade a falta de inovação, de criatividade e de coragem para correr riscos pode significar suicídio profissional, pois se existem pessoas que preferem se acomodar, muitas outras, com certeza , estarão buscando novos desafios.
O pescador-acomodado tem pavor da mudança pois ele só consegue fazer aquilo que está programado. Qualquer nova possibilidade é percebida muito mais como uma ameaça do que como uma oportunidade. Movido pela ansiedade e pelo medo, se apega à antiga realidade todas as vezes que precisa responder a novos estímulos. Para ele a vida funciona mais ou menos assim: se der a sorte de um peixão cair na sua rede, ótimo, se não ...vai se levando....
O profissional com essas características age, inicialmente, negando a realidade das mudanças. Como se assim procedendo a rotina perdida pudesse ser recuperada. Tenta dessa forma manter a situação sob seu controle, insistindo em que a situação anterior era para ele fonte de satisfação se esquecendo, porém, das muitas frustrações que tiveram de ser engolidas. E mais, não percebe que esse sentimento de satisfação é vivido sempre parcialmente, pois na verdade, nunca chegou a experimentar a felicidade de fazer as coisas realmente acontecerem.
O terceiro pescador é aquele que escolheu por opção pescar. Poderia ter escolhido outra atividade , mas é nessa que se sente automotivado. Por isso, lida com a realidade de uma forma muito diferente. Não precisa idealizar ou negar essa realidade, pois é dela que tira as emoções de viver. Como a atividade de pesca se insere como fonte de satisfação, não sente como obrigação a rotina e o cuidado com seu material de pesca, e ainda, não se importa de fazer alguns sacrifícios pessoais, como ter que acordar bem cedo ou conviver com as muriçocas.
Como se identifica muito com o que faz, agrega muitos outros valores à sua experiência[RPM1] de pescar. Ver o dia amanhecer ou entardecer, sentir a brisa do mar no seu rosto, conversar com outros pescadores sobre como foi o dia para eles, descrever para a família como conseguiu ou deixou escapar o peixe, sentir o cheiro do mar e do produto do seu trabalho são aspectos que se interligam e se complementam. Assim , o pescador-automotivado consegue fazer uma rede entre sua vida pessoal, familiar, social e profissional. Nessa rede, as diversas atividades não estão dissociadas, pelo contrário, formam um conjunto integrado, que dão um sentido único à sua vida.
Também esse profissional lida de forma diferente com a frustração. Ficar duas ou três horas tentando, ou passar uma ou duas semanas sem pescar aquele “peixe” esperado, faz parte do processo. Por isso, não desiste no primeiro fracasso nem recua diante das dificuldades que encontra. A frustração não paralisa, apenas serve de combustível para se rever o caminho e a forma de alcançar os objetivos esperados.
Essas características de desempenho também estão presentes no profissional automotivado. O dia a dia pode não ser aquilo que imaginou, mas nem por isso deixa de descobrir qualidades surpreendentes e atraentes naquilo que faz. Busca inovar e viver novas experiências, sempre dando novas chances a si mesmo de crescimento profissional e pessoal.
E mais, a identificação com sua escolha profissional permite que ele crie laços profundos com seu tempo e seu espaço. Por isso, quer compreender e participar da sua comunidade e do mundo, procura estar sempre se atualizando e agregando novos conhecimentos, ao mesmo tempo que se sente confortável para questionar valores e paradigmas vigentes. Assim como o último pescador, vive em harmonia consigo mesmo pois consegue equilibrar sobrevivência e satisfação.
Por isso é que afirmei que o mar está para peixe, mas não para qualquer um... Para o profissional automotivado, o mercado está sempre favorável, pois é ele quem faz sua realidade. É claro que conseguir esse equilíbrio não é fácil. Rever a relação eu x trabalho significa uma certa dose de desgaste emocional. Mas com certeza, essa dose é infinitamente menor do que a quantidade de energia que se dispende quando se vive insatisfeito profissionalmente.
Esta história de pescador merece credibilidade?

2 comentários:

  1. Gostei muito do que li, seu texto está ótimo

    estava passando por aqui e te li, desculpe entrar assim
    mas boa leitura é sempre prazerosa

    deixo abraço

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  2. Tia Nena!

    Adorei o blog, ficou ótimo!!!

    Gostei muito do seu texto e me identifiquei com o terceiro pescador. Fiquei feliz que me deixou mais motivada, pois muitas vezes penso que ter gosto, paixão e prazer pelo seu trabalho pode atrapalhar na hora de ter o retorno financeiro. Acaba que não trabalho só por dinheiro e sim porque gosto muito do que faço, me sinto desafiada a cada dia a melhorar. Quem sabe se tivesse seguido os conselhos do meu avô de fazer Direito ou Economia seria diferente? Ao mesmo tempo, me lembro que não posso ser ansiosa, tenho apenas 3 anos de formada e uma longa vida profissional pela frente. Se continuo fazendo o que gosto, bem feito e com prazer, um dia vou conseguir com o meu trabalho o retorno financeiro que almejo. Pelo menos assim espero!
    Não sou sua aluna, mas gostei tanto do texto que quis comentar ;)
    Beijos,
    Nana

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